Texto escrito originalmente por Alexandre Cumino
Já é assunto conhecido a “Demonização de Exu” por parte da
Cristandade Católica, que fez o mesmo processo com outras várias
divindades consideradas pagãs, com destaque para aquelas que fogem do
modelo racional/apolíneo, como Pã, Hermes e Dionísio (cultura
grega), Fauno (Romano), Cernununos (Celta), Shiva (Hindu) e Aluvaiá,
Elegbara, Exu (Afro).
A Igreja construiu um demônio com “retalhos” e paramentos das
divindades que tem seu culto na natureza. Até hoje herdamos preconceito
decorrente deste fato, no entanto poucos sabem que de dentro da Umbanda
também se produziu material colocando e comparando Exu com “diabo”,
“demônios” e outras forças e conceitos negativos.
Podemos dizer que Aluízio Fontenele, autor umbandista da década de
1950, tem uma parcela de responsabilidade pelo que podemos chamar de
“Demonização de Exu” realizada dentro da Umbanda.
Não sabemos a data exata de publicação de seus títulos, na capa dos
três livros que tive acesso há uma foto do autor autografada com data
de 1951, aparece também sua data de morte em 1952. Faço crer que as
primeiras edições destes títulos ocorreram no final da década de 40 ou
mais tardar logo em 1950, pois caso contrário não daria tempo de
fazer comentário de um titulo já publicado no outro sendo editado, o que
verificamos no título EXU ao qual temos acesso à sua segunda edição com
data de 1954.
Aluízio Fontenele tem uma postura dura e critica na sua forma de
expressar a Umbanda. Apresenta influencias diversas com ênfase para
hinduísmo, teosofia, cabala e alta magia europeia. Ressalta a existência
de um aspecto esotérico, fechado e oculto, em todas as religiões,
propondo a busca pelos “reais fundamentos” da Umbanda em seu aspecto
esotérico.
Apresenta as Sete Linhas de Umbanda e suas Legiões por meio do
modelo criado por Lourenço Braga (Umbanda e Quimbanda, 1942). No entanto
é justamente com relação a Exu que este autor irá inovar e tornar-se um
dos escritores mais copiados e mal compreendido na religião.
A busca pela “Umbanda Esotérica e Iniciática” o levou, assim como a
outros umbandistas, a buscar o “supra sumo” da religião em outras
culturas. Aluízio Fontenele é o primeiro autor a comparar os exus de
Umbanda com os demônios da Goécia, “Magia Negra” europeia. Se por um
lado ele teve intenção de elevar o padrão intelectual da religião, por
outro deu inicio a uma “demonização” do exu de dentro para fora, como se
já não basta-se a externa. Ou seja atribuiu aos tão conhecidos nomes de
exus em suas populares falanges, nomes tão ou mais conhecidos na “Magia
Negra”.
Desta forma Aluízio Fontenelle foi o primeiro autor umbandista a
relacionar os nomes de exus de umbanda com nomes da “Magia Negativa”
(Magia Negra) europeia. Foi copiado ou simplesmente serviu deinspiração
para autores como Decelso, Antônio de Alva, José Maria Bittencourt, N.
A. Molina e tantos outros autores posteriores a adotar este sincretismo
entre Umbanda, Quimbanda e Goécia (“Magia Negra” – Magia Negativa).
Claro que há contribuições positivas e negativas por parte de todos os
autores, no entanto a partir do momento que identificamos exus
como “demônios” ou “pretensos demônios”, em seu sentido popular de ser,
nós mesmos estamos dando lenha para aquecer a fogueira da discriminação e
do preconceito. Suas tabelas e relação foi largamente usada pela
“Quimbanda” brasileira.
Vejamos algumas passagens do título de Aluízio Fontenele, EXU, (sd., Rio de Janeiro, Ed. Espiritualista):
AO LEITOR
Esta é mais uma obra espírita, baseada nos rituais que se praticam
no culto das diversas modalidades do espiritismo, não só no que diz
respeito às praticas da Magia, como também em tudo o que se faz, no
tocante a evocação dos Gênios do Mal, que muitos que se
dizem conhecedores , erram lamentavelmente.
As entidades espirituais que dirigiram em grande parte a confecção
deste trabalho, e que autorizaram a sua publicação e expansão através
dos quatro pontos cardeais, pediram-me que torna-se público, deixando
bem patente, a seguinte exortação:
Por se tratar de uma obra que se define de um modo claro e
insofismável toda a atuação das entidades do Mal que se denominam Exus,
os quais são imprescindíveis em qualquer terreno espiritual através da
existência humana, é necessário exortar a todos quantos deste livro
pretenderem tomar conhecimento, que tenham bastante cuidado na
apreciação da matéria que nele está encerrada , por motivos especiais,
os quais, se não forem devidamente compreendidos, trarão certamente
grandes prejuízos aqueles que inconscientemente usarem dos ensinamentos
desta obra, que é um verdadeiro “Vade-mécum” sobre tudo quanto
se pratica no que concerne à MAGIA NEGRA utilizada pelos EXUS.
Quero ainda, desobrigar-me de toda e qualquer responsabilidade
sobre a interpretação errônea das pessoas de pouco conhecimento do
assunto, pretendem utilizar-se deste livro para a prática do mal…
Cuidado com o POVO DE EXU, porque ele tanto serve para o bem, como serve para o mal. (grifo nosso)…
“A Umbanda tem fundamento, e fundamento na Umbanda, tem mironga.” (pp.11-13)
[…] a Umbanda nasceu da Quimbanda, isto é: a Umbanda foi criada pelo astral superior, a fim de combater a Quimbanda…
A ENTIDADE MÁXIMA DO MAL. LÚCIFER O ANJO BELO
A Entidade Máxima, denomina-se “MAIORAL”, tendo ainda outros
denominativos, tais como: Lúcifer, Diabo, Satanás, Capeta, Tinhoso,
etc., etc., sendo que nas Umbandas é mais conhecido com o nome de “EXU
REI”.
Apresenta-se como figura de altos conhecimentos, tratando-nos com
uma grande elevação de sociabilidade prometendo-nos este mundo e o
outro, exigindo tão somente que por nós, seja tratado por: MAJESTADE.
Raramente vem a um terreiro, preferindo apenas aproximar-se dos lugares onde se professe altos estudos de MAGIA ASTRAL…
[…] Tem o Maioral bem como as demais Entidades, o seu ponto ou
pontos riscados, sendo que o principal é de origem ESOTÉRICA, o qual a
seguir, divulgarei…
Nesta obra de Aluízio Fontenele vamos encontrar uma Trindade que
está acima de todas as demais entidades, o Maioral se manifesta em três
pessoas: Lúcifer, Belzebuth e Aschtaroth, que são na sua opinião Exu
Rei, Exu Mor e Exu Rei das Sete Encruzilhadas. Apenas para termos uma
idéia das relações do nomes e sincretismo estabelecido por ele coloco
abaixo alguns destes nomes a título de curiosidade e estudo, embora não
concorde com a evocação dos mesmos, já que a cada nome da Goécia ou
Magia Negra Européia está relacionada uma egrégora astral afim.
Lúcifer tem como assistentes Put Satanakia (Exu Marabô) e Agalieraps (Exu mangueira).
Belzebuth tem como assistentes Tarchimache (Exu Tranca Ruas) e Fleruty (Exu Tiriri).
Aschtaroth tem como assistentes Sagathana (Exu Veludo) e Nesbiros (Exu dos Rios).
Klepoth é o nome de “Exu Pomba Gira”, a mulher de 7 Exus.
Syrach ou Exu Calunga comanda dezoito exus:
Bechard – Exu dos Ventos
Frimost – Exu Quebra Galho
Klepoth – Exu Pomba Gira
Khil – Exu das 7 Cachoeiras
Merifild – Exu das Sete Cruzes
Clistheret – Exu Tronqueira
Silcharde – Exu das Sete Poeiras
Ségal – Exu Gira Mundo
Hicpasth – Exu das Matas
Humots – Exu das Sete Pedras
Frucissiére – Exu dos Cemitérios
Guland – Exu Morcego
Surgat – Exu das Sete Portas
Morail – Exu da Sombra ou 7 Sombras
Frutimière – Exu Tranca Tudo
Claunech – Exu da Pedra Negra
Musifin – Exu da Capa Preta
Huictogaras – Exu Marabá
Sobre as ordens de OMULU trabalham Sergulath (Exu Caveira) e Hael (Exu da Meia Noite).
Sob o comando de Sergulath (Exu Caveira) trabalham mais 7 exus:
Proculo – Exu Tatá Caveira
Haristum – Exu Brasa
Brulefer – Exu Pemba
Pentagnoni – Exu Maré
Sidragosum – Exu Carangola
Minosum – Exu Arranca-toco
Bucons – Exu Pagão
Sob o comando de Hael (Exu da Meia Noite) trabalham mais 7 exus:
Serguth – Exu Mirim
Trimasael – Exu Pimenta
Sustugriel – Exu Male
Eleogap – Exu 7 Montanhas
Damoston – Exu Ganga
Tharithimas – Exu kaminaloá
Nel Birith – Exu Quirombô
Há ainda Aglasis (Exu Cheiroso) e Meramael (Exu Curado).
Estes é o sincretismo de Aluízio Fontenelle que influenciou alguns
umbandistas e uma boa parte da Quimbanda brasileira. Esta é sem duvida
um ponto de partida para uma demonização de exu de dentro para fora que
colocou e alimentou a fogueira da discriminação e pode ser usada até os
dias de hoje para nos recriminar.
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